Sandra Eliane Radin
Acorda, acorda Alice
Você esta atrasada, disse o coelho olhando para o relógio.
Alice dormia e sonhava que vivia em um mundo em que as pessoas se respeitavam, onde as diferenças se somavam, existia igualdade e iguais oportunidades, independente de gênero, cor, opção sexual, política ou religiosa.
Alice acordou sobressaltada quando o coelho branco lhe chamou insistentemente, meneou a cabeça tristonha sabendo que teria que enfrentar, novamente o ônibus ou o metro lotado com homens repulsivos se encostando nela e em outras mulheres, respirando em seus pescoços e, depois, ao chegar no trabalho, mais uma vez, teria de aguentar o seu repulsivo chefe se insinuando, seja, através de um toque aparentemente despretensioso ou com um convite para um drink depois do expediente.
O coelho branco que não deixava passar nada sem que percebesse, sentiu a tristeza e o desalento que afligiam Alice e perguntou:
- O que te faz acordar com cara de poucos amigos?
És jovem, és bela e podes ter o mundo aos teus pés -.
Alice esboçou um meio sorriso e lembrou ao coelho branco que é muito difícil acordar num mundo diferente daquele que sonhara. A realidade, vociferou Alice, é impensável na mais cruel previsão. Há pessoas que perderam suas Pátrias, outras tantas morreram em deslizamento de terra, desabamento de prédio, rompimento de barragem, incêndio e tudo motivado pela ambição e ganância de alguns.
Cresce, continuou ela, espantosamente o número de mulheres vitimas de feminicídio. O número de crianças tendo suas vidas ceifadas por pais, mães, madrastas e padrastos movidos pelos mais escusos motivos é alarmante.
No mundo que ela idealizara, a sociedade não estava adoecida moralmente. Não haviam políticos corruptos, máfia, traficantes, bandidos, milicianos, empreiteiros e políticos corruptos, pessoas racistas e com tantos outros valores questionáveis e caráter duvidoso.
Outras Alices, Marias, Joanas.., já experimentaram sensações e medos similares aos seus e também viveram dias que teriam preferido não acordar. Alice estava cansada, assustada e imaginava não ter forças suficientes para enfrentar esta realidade mas o chamado do coelho branco mexeu com seus medos internos e acionou uma força que ela não crera possuir.
Como na fábula Alice, após voltar ao seu tamanho normal, criou coragem e enfrenta a rainha, o rei e seu exército dando-lhes a dimensão exata: apenas baralho.
Ela acordou com o chamado do coelho, crescida e ciente do poder da sua voz, uma mulher determinada, firme nas suas decisões e sem medo de se posicionar e enfrentar o bom combate. Deu som a sua voz e se somou as vozes de todas as Alices na luta contra o preconceito, o racismo, o machismo, a violência doméstica, ao feminicídio e a tantos abusos cometidos pelo homem a nível social e político.
Nossa Alice, a Alice dos dias de hoje esta acordada e atenta, sabe de seu tamanho e da força de sua voz. É corajosa, determinada e resiliente. É imbatível tanto no enfrentamento no ônibus, no metro, no trabalho, na política e em qualquer outro grupo social porque se somou a outras vozes.
Confiante, segue em frente.
E, no imaginário da Alice é possível sim uma sociedade mais justa e igualitária.
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